Depois de uma longa viagem de 10 horas até Joanesburgo, a última etapa rumo a Moçambique.
“Não ligue que isto não é realmente África!!!” – exclamou o passageiro que se sentava a meu lado quando aterramos no Aeroporto Internacional de Joanesburgo. A olhar pelas aeronaves estacionadas na placa, diria mesmo que não estava em África! Seis, sim seis, aviões da British Airways, um da Ibéria, um da Lufthansa, um KLM, um Ethiad, um Emirates, um da Air France, o nosso da TAP e vários da South African, a companhia aérea de bandeira sul-africana. A escala aqui foi longa. Mais de uma hora e meia dentro do avião à espera que saíssem malas e passageiros e que todas as burocracias com o voo estivessem concluídas!
45 apenas minutos separam as cidades africanas de Joanesburgo e Maputo.
A primeira coisa que se consegue ver antes de aterrar na capital moçambicana (ou como aqui gostam de dizer “no Maputo”!) é uma imensidão de terras verdes. Nada se savanas secas e amarelas, com leões e macacos e elefantes e zebras…! Depois aparecem as palhotas! Uma aqui, outra ali… e, por fim, uma grande concentração de casas de palha que rodeiam o aeroporto.
Como era expectável, o Vasco da Gama (o recém-adquirido AirBus A330 da TAP) encheu as medidas do pequeno aeroporto maputense. A TAP faz várias vezes por semana a única grande ligação deste aeroporto directamente com a Europa, daí o frenesim que a sua chegada provoca. Durante uma hora, ou talvez menos que isso, o aeroporto, ainda com a sinalética e a arquitectura deixada pelos Portugueses em 1974, ganha vida! À nossa espera está logo alguém que se oferece para nos carregar a mala, alguém que se oferece para preencher os documentos da alfândega ou algum taxista pronto para nos levar para o hotel mais próximo.
Contrariamente ao que tinha pensado, não entrei em nenhum estado de choque quando pus os meus pés fora do avião. Não houve nenhum choque cultural, nem climatérico! Tudo estava a surgir na frente dos meus olhos tal e qual como tinha imaginado, lido e visto na net.
Ao contrário do que estava planeado, não fiquei os primeiros dias “no Maputo”. À minha espera estava a Irmã Isaura e dois alunos que me acompanharam até ao Orfanato de Chaquelene, aproximadamente 190km a noroeste da capital Maputo.
Pelo caminho assisti in loco ao que os grandes documentários passam na televisão. A pobreza com “P” maiúsculo. Barracas, barracas e mais barracas, estradas de terra batida, esgotos a céu aberto, milhares de crianças a brincarem na berma da estrada, várias centenas de pequenas lojas que vendem quase tudo.
“Que tomas de refresco mano Alberto?” – perguntou-me o Santos, um dos alunos, quando eu já me preparava para dormir um pouco. “Temos Fanta, Cola, Laranjada, Laurentina (cerveja), que queres?”. Optei pela Cola! De estranhar não?!
A Irmã Isaura, a condutora, faz uma travagem brusca e pára o carro na berma de terra batida da Estrada Nacional 1, a estrada principal que sai de Maputo rumo ao Norte do país. Umas quantas buzinadelas depois surge um menino, não mais do que uns 10 anos, com uma geladeira cheia de bebidas frescas. O meu primeiro “dilema”: será que é seguro beber esta Cola?! Não poderia agora dizer que não… e como a Cola de lata ainda estava bem fechada, não tive outra opção se não abrir e beber!
Voltamos a arrancar para uns minutos mais tarde nova travagem. Desta vez demos boleia a uma menina, também do Orfanato, que se tinha deslocado a uma povoação vizinha. Dilema número dois: “está a oferecer-me uma banana! Estou cheio de fome! Será seguro comer?” Não disse que não! E em vez de uma foram logo duas!
O sol já se começava a esconder lá para os lados do Índico quando atravessamos a fronteira entre as Províncias de Maputo e Gaza. Comecei aqui a ver pela primeira vez aqueles cenários tipicamente moçambicanos: palmeiras, grandes planícies, aves “esquisitas” e uma fila interminável de pessoas a caminharem junto à berma da estrada. Apenas crianças e adultos, descalços, sempre com algo às costas. Pessoa idosa é coisa muito rara de se ver em Moçambique. A guerra colonial e, principalmente, a guerra civil que se estendeu até meados dos anos noventa, ceifou a vida a muitos homens e mulheres que hoje deveriam andar na casa dos 40/50 anos. Além disso, as poucas condições de vida e os fracos recursos na área da saúde em Moçambique baixam a esperança média de vida no país para uns míseros 45 anos.
Chegados à Macia, voltamos à esquerda em direcção à cidade do Chókwé. Deixamos para trás a estrada principal e seguimos numa estrada que, embora alcatroada, parecia ter sido atingida por uma chuva de meteoros, tal eram as crateras que ali podíamos encontrar!
Finalmente, duas horas e uns minutos depois de termos saído de Maputo, chegamos a Chaquelene, a aldeia que dista 34km de Chókwé e onde se localiza o orfanato. A minha chegada parecia saída de um filme! À entrada duas buzinadelas deram sinal da nossa chegada. As crianças rapidamente se juntaram e todas em coro começaram a entoar uma música de boas vindas que misturava o Português com a língua local, o Tshanga.
“Boa tarde Meninos”, disse eu, enquanto todos continuavam a cantar e a dançar para mim.
“Bem-vindo sejas,
Obrigado por teres vindo,
Que te sintas em casa.“
Foi com estas palavras que fui efusivamente recebido!
Depois deste momento de verdadeira alegria, pude ver com os meus próprios olhos a realidade fria e crua. Apesar destas crianças não viverem em estado puro de pobreza, as carências são enormes. Os dormitórios são autênticos amontoados de camas e colchões onde, com poucas condições, se agrupam várias dezenas de crianças. O caso mais preocupante, e será neste que quero começar a trabalhar, é o dormitório dos rapazes mais velhos (10-18 anos). O quarto, um verdadeiro barracão, sem portas, janelas ou paredes que mereçam este nome, não oferece qualquer protecção à noite. À questão “têm redes mosquiteiras?” a resposta foi uma lacónica “temos as mantas”.
Depois de efectuar o primeiro reconhecimento da área envolvente, e com a noite já a deixar cair o seu véu, tentei estabelecer contacto com as crianças mais novas. As respostas a perguntas tão simples como “como te chamas?” ou “o que estás a jogar?” foram uns ternurentos sorrisos, um olhar doce e, por fim, um estender de mão, muito desconfiado é certo, daquelas crianças tão pequenas. Nada mau para o primeiro contacto!
Após uma breve refeição no orfanato (não sei se seria da fome, mas o prato de arroz, feijão e galinha soube-me muito bem!) segui em direcção ao Chókwé.
Chókwé é a segunda cidade mais importante da Província de Gaza. Tem cerca de 50 mil habitantes e dista cerca de 80 quilómetros de Xai Xai, antiga Vila de João Belo, a capital provincial.
Hoje não vos posso falar muito sobre a cidade. Quando cheguei já a noite escura tinha ocupado o seu lugar (às 6h da tarde já é de noite!) e por isso pouco ou nada deu para ver. Fomos a casa, pousei as malas, e saímos logo de seguida para tomar uma cervejinha. Na cidade há muitos expatriados e por isso acabei por beber a cerveja na companhia de uma Portuguesa e três Espanhóis.
Desde que estou em casa, pouco depois das 9 horas da noite, a electricidade já falhou duas vezes por breves minutos, o alarma da casa da vizinha já soou e a ligação de internet continua sem se efectuar.
Vim para a cama…
Estou debaixo de uma rede mosquiteira. Lá fora só se ouve um assombroso som insectos a “cantarolarem” guinchos repetitivamente. Já me disseram que há crocodilos, jacarés e hipopótamos junto da cidade…mas desses tenho a certeza que não vou ouvir som algum!
E é assim, a olhar para a rede mosquiteira sobre mim e a escutar a sinfonia africana do lado de fora da janela que termino o meu primeiro post. A aventura a Sul do Mundo já começou…
No Chókwé, aos 14 de Abril de 2009 (23.31h)